Foto: Marcello Couple Jr. /Arquivo / Agência Brasil Itamaraty 1 de janeiro de 2022 | 12:30

O Brasil quer concentrar a África e a América Latina em novo mandato no Conselho de Segurança da ONU

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O ano de 2022 começará com o retorno do Brasil ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Na próxima terça-feira (4), o país toma posse para um mandato de dois anos como membro não permanente da instituição, com sete gols em foco.

De acordo com a Folha o embaixador Ronaldo Costa Filho, chefe da missão brasileira na ONU em Nova York, o país planeja usar o assento para debater questões relacionadas à América Latina, com foco no Haiti e na Colômbia, e dedicar-se ao trabalho envolvendo conflitos na África, “em busca de soluções mais ágeis e para ouvir todos os lados envolvidos”.

Em paralelo, o diplomata prevê a manutenção do escrutínio de reforma do órgão-que há muito tempo foi alvo de de questionamentos sobre a sua capacidade concreta de ação para a manutenção da paz.

Costa Filho avalia que cerca de 70% do trabalho do Conselho de Segurança hoje já é dedicado aos países africanos. Com a estratégia brasileira, a tendência é de uma maior aproximação a essa região.

O Itamaraty tem embaixadas em pelo menos 33 nações na África. Na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), a diplomacia brasileira procurou reforçar os laços com o chamado Sul global, em um movimento que incluiu a abertura de representações diplomáticas no continente.

Sob o comando de Jair Bolsonaro (PL), no entanto, a prioridade eram as relações com os Estados Unidos-em busca de aliança com o então presidente Donald Trump, que não conseguiu se reeleger-e com países comandados por líderes conservadores como a Hungria de Viktor Orbán e a Polônia de Andrzej Duda.

Um revés recente da diplomacia na atual gestão, aliás, tem justamente envolveu uma nação africana: o governo Bolsonaro retirou a nomeação de Marcelo Crivella para ser embaixador na África do Sul. A recusa na resposta ao pedido de agrément (consulta formal) surgiu em meio a uma crise da Igreja Universal (da qual o ex-prefeito do Rio é bispo licenciado) no continente.

Entre os conflitos africanos que podem chegar ao Conselho de Segurança estão o embate entre governo e opositores na Etiópia, ataques de um grupo armado na República Democrática do Congo, as consequências de golpes militares no Mali e a reconstrução da Líbia, devastada por uma guerra civil que começou após uma intervenção estrangeira autorizada pela ONU-na época, o Brasil também tinha mandato no órgão e se opôs à ação, mas foi um voto vencido.

O Conselho de Segurança é a instância das Nações Unidas com mais poder de atuação. Sua principal missão é tentar parar e encerrar os conflitos e evitar que os países se ameaçem mutuamente. Para isso, pode ordenar operações militares internacionais, aplicar sanções e criar missões de paz, para tentar reorganizar territórios depois de conflitos ou catástrofes.

O Brasil chefiou uma dessas missões de paz, no Haiti de 2004 a 2017. Mesmo depois dela o país caribenho continua com problemas severos, que vão desde a extrema pobreza até a violência de gangues, passando por desastres naturais e instabilidade política-que chegou ao seu ápice em julho, quando o então presidente Jovenel Moïse foi assassinado a disparar.

Já a Colômbia, outra prioridade do Brasil na América Latina, é vista como um exemplo melhor, devido ao acordo de paz com as FARC, que tem levado guerrilhas a deixar o conflito armado-embora ainda haja questões a serem resolvidas.

Uma das maiores críticas ao Conselho de Segurança é o seu modelo considerado engageless, o que dificulta a adoção de ações mais firmes, especialmente em casos envolvendo grandes potências.

Membros permanentes -EUA, China, Rússia, Reino Unido e França-podem vetar qualquer medida que os desagrade. Assim, Moscou, por exemplo, consegue evitar punições contra si mesmo em relação a suas ações militares envolvendo a Ucrânia.

“O Conselho de Segurança se mostrou completamente ineficaz em conter conflitos, especialmente se eles envolvam um membro permanente”, diz Dalibor Rohac, especialista em política externa e advocacia no think tank American Enterprise Institute. Para ele, a crise entre Moscou e Kiev, em andamento desde a anexação da Crimeia, em 2014, foi uma violação dos próprios compromissos internacionais da Rússia.

” Embora haja algum valor em ter um fórum no qual as grandes potências possam fazer barganhas entre si, o Conselho de Segurança é uma instituição ossificada e cada vez mais irrelevante. Essa realidade não mudaria com a inclusão de mais membros temporários. “

O colegiado tem 15 lugares, sendo 5 fixos e 10 rotativos. O Brasil ocupará uma das vagas não permanentes, ao lado da Albânia, dos Emirados Árabes Unidos, do Gabão e do Gana. Os outros cinco temps, cujos mandatos vão até o fim de 2022, são Índia, Irlanda, México, Noruega e Quênia.

Durante décadas, o Brasil defendeu que a saída para melhorar a atuação do Conselho é promover uma reforma que amplie o número de assentos. Mas as chances de mudança de curto prazo são pequenas, já que os membros fixos não querem ter seu poder diluído e a reforma precisa ser aprovada na Assembleia Geral, onde votam todos os 193 países-membros da ONU.

Com isso, há temores de que a reforma possa fortalecer as rivalidades regionais-o Paquistão, por exemplo, não ficaria feliz se a rival Índia conseguisse uma vaga fixa. Uma tomada em debate, para reduzir a resistência à reforma, é que os novos membros permanentes não têm poder de veto.

No Conselho, as reuniões ocorrem de duas formas. Há uma reunião geral, na qual todos os países-membros se dirigem, sem debates diretos, e outros fechados, nos quais diplomatas discutem os temas de forma mais aberta e negociam acordos.

” Este debate reservado permite maior liberdade na expressão de posições, mas gera uma insatisfação de outros países [de fora do Conselho], que se pronunciam por falta de transparência. Parece-me, no entanto, o possível equilíbrio “, analisa o embaixador Costa Filho. ” Muitas vezes, a essência da diplomacia é ter um pouco de reserva. Não negocie para a imprensa. “

Para Daniel Rio Tinto, professor de relações internacionais da FGV, voltar ao colegiado, mesmo sem os privilégios de um assento fixo, será positivo para o Brasil.

” Apesar da disparidade de poder no Conselho, a posição de membro não permanente abre espaço para que um país possa exercer influência em assuntos da ONU e participar de palestras de alto nível sobre segurança e outros tópicos caros “, diz. ” Cada assunto abordado é uma oportunidade para o Brasil mostrar que pode ajudar a resolver esse problema e que poderia estar lá fazendo de forma permanente. “

Neste termo, Costa Filho afirma que o governo brasileiro também deve engajar-se em ampliar o papel das mulheres e reforçar estratégias para prevenir abusos contra eles em meio a conflitos. ” A proposta é, a cada vez, mais, inserir mulheres em todas as etapas do processo, tanto em operações no terreno quanto na mediação e negociação de soluções. “

Como membro não permanente, o Brasil também se compromete publicamente a avançar a defesa dos direitos humanos, a ampliar a articulação com entidades regionais -como a OEA (Organização dos Estados Americanos), a União Africana e a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)-e a reforçar ações para estabilizar os países que surgiram recentemente de conflito.

O país defende ainda que temas como o combate à crise climática e a recuperação pós-Covid fiquem fora da agenda do Conselho de Segurança, onde há apenas 15 participantes, e são debatidos pela Assembléia Geral.

” A mudança climática tem todo um processo de negociação próprio, o que inclui as cúmas climáticas. Esse é o processo certo, onde todos os países podem se sentar e ter seus interesses refletidos e considerados “, diz Costa Filho.

Rafael Balago / Folhapress Voltar para a página inicial

Fonte: politicalivre.com.br/2022/01/brasil-quer-focar-africa-e-america-latina-em-novo-mandato-no-conselho-de-seguranca-da-onu